Tenho câncer. Posso ser demitido?
   Tenho câncer. Posso ser demitido?

No momento em que se recebe um diagnóstico de uma doença grave com prognóstico muitas vezes sombrio, este talvez seja o último questionamento a fazer.

Ocorre, entretanto, que muitos escondem o fato de terem câncer de seu empregador temendo serem dispensados.

É fato que muitos empregadores, ao saber desta situação, ficam bastante receosos em manter em seu quadro de funcionários uma pessoa que se afastará diversas vezes e, talvez, por longos períodos. Acabam, então, por demitir este funcionário, fragilizado emocionalmente e muitas vezes dependente do plano de saúde oferecido pela empresa para realizar seu tratamento.

Ocorre que os tribunais trabalhistas já se posicionaram a respeito na Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho.

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 

Desta forma, no simples entendimento da súmula, caberia reintegração do trabalhador ao posto de trabalho, uma vez que fica presumida a discriminação do trabalhador com doenças graves.

A reintegração deve ocorrer no mesmo cargo e com o mesmo salário.

Devemos também acrescentar que se houve aumento no salário, decorrente de negociação coletiva, este deve ser integrado no salário do empregado.

Outro viés bastante importante neste assunto é que a dispensa muitas vezes acaba por abalar o emocional, já bastante abalado, destas pessoas.
Neste caso, existe também a possibilidade de pedido de dano moral por conta da discriminação, uma vez que esta situação fere a própria Constituição Federal, que é a lei de maior importância no Brasil:

Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;


Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

A dispensa de um trabalhador fragilizado, pautada apenas em sua condição de saúde, é atentatória a dignidade da pessoa e afeta sua honra. Diante deste quadro, por previsão da Constituição, surge a possibilidade de indenização desta lesão ao patrimônio psíquico da pessoa.

O posicionamento humanístico dos desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho é bastante notório e é de grande importância para conhecer a orientação dos tribunais:

É evidente que a discriminação sofrida pelo autor acarretou-lhe profunda angústia, tendo atingido a sua autoestima. A vida profissional do indivíduo é uma das dimensões mais significativas da sua personalidade. O trabalho e a profissão funcionam como um elemento de identificação e valorização do ser.

Na hora em que o reclamante encontrava-se em meio à descoberta de um tumor maligno e a possibilidade de conviver com um câncer a reclamada o dispensou, tendo o autor ficado sem a cobertura do plano de saúde, tão importante num momento delicado como esse. Evidente o dano moral sofrido.


Em casos como o retratado nos presentes autos (neoplasia maligna – câncer de mama), em que não se discute a estabilidade ou mesmo garantia de emprego (não se trata de doença profissional), o que se busca é a humanização das relações de trabalho. A reclamante, já abalada psicologicamente pela mutilação de parte de seu corpo (mastectomia) e atormentada pela possibilidade de uma recidiva, ainda teve que conviver com a perda do emprego, sua fonte de subsistência. Na visão puramente empresarial, empregados como a reclamante destoam da engrenagem produtiva; o lucro, sempre o lucro se sobrepõe sobre as relações interpessoais relegando à preterição um dos princípios mais caros à sociedade estampado na Constituição Federal que é o respeito à dignidade da pessoa humana. A dispensa se afigura estritamente discriminatória, fazendo jus à autora ao pleito de reintegração ao emprego.

Desta forma, a dispensa de um trabalhador portador de uma doença grave representa para este a convergência de todo tipo de angústias, mas os tribunais trabalhistas reconhecem a situação e atuam reprimindo este comportamento dos empresários, determinando a reintegração do emprego e muitas vezes, quando solicitado e demonstrado, o dano moral.